História da perfumaria brasileira

Versão de 2017-12-04

Um olhar sobre a História da Perfumaria Brasileira.
Por Cristiane Gonçalves, Fragrance Specialist and Communications, Perfume da Rosa Negra.

Um cheiro no Perfume do Brasil

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Brasil, terra da diversidade em todas as suas manifestações naturais, culturais, artísticas, religiosas e sociais. Assim como os cheiros seduzem e encantam o olfato, criando uma íntima conexão com as emoções e a memória que são a história afetiva que cada indivíduo carrega, assim, é o Brasil, caleidoscópio de um povo fascinante, de sublime biodiversidade natural e miscigenação de povos que reflete a riqueza de seu ecossistema de cores, aromas e sabores. Revelar brevemente a história da perfumaria Brasileira é revelar muito mais do que a história dos cheiros e de sua evolução no decorrer dos anos.

Revelar o Brasil perfumado é elucidar sobre a perfumaria como um fenômeno histórico e social, é evocar sua cultura e como o país desenvolveu uma forma de comunicar seus valores e sua essência pessoal através dos cheiros, e como tal interação permeia toda a história da perfumaria Brasileira.

Entender que essa história está sendo construída a partir dos valores, hábitos, comportamentos de um povo, com um acorde aromático de muito amor, afeto, autoestima e bem-estar, é uma forma de celebrar que a história da perfumaria é construída por cada consumidor que encontra no perfume muito mais do que um adorno olfativo, encontra uma identidade e uma linguagem com as pessoas e com o mundo.

 

 

Do Descobrimento ao Império

Do Descobrimento ao Império, entre os banhos fragrantes e o mau cheiro

Desde a descoberta do Brasil em 1500, quando Pedro Álvares Cabral avistou a terra abundante em sua natureza única presenteada por plantas, flores e demais espécies fragrantes e pela beleza de índios, formosos em seu físico e interação com a natureza divina, havia traços culturais relevantes da relação dos nativos com os cheiros: a espiritualidade, a beleza e o asseio dos indígenas. Aqui era bem diferente da Europa onde as fragrâncias eram utilizadas para ocultar os odores desagradáveis e não havia o hábito de banhos constantes sob o medo de contrair doenças. Os europeus usavam o pretexto de que lavar as mãos e o rosto era um ritual suficiente de cuidados com o corpo.

 



Os índios e, mais tarde, os negros do país tinham outro comportamento: abusavam de banhos de cheiro e de cura com matérias fragrantes que eram valorizadas pela cura e proteção espirituais e pelas propriedades terapêuticas de bem estar e saúde. As cartas de Pedro Vaz Caminha e os relatos portugueses sobre a esplêndida aparência dos nativos afirmam que os índios eram muito limpos, depilados, de uma formosura ímpar e agradável ao olhar do português. Com isso, a herança genética dos povos brasileiros, de influências de brancos, índios e negros instaurou uma forma amistosa do Brasileiro expressar sua relação com os cheiros e norteou a História da perfumaria no país, no qual a fragrância sempre foi mais do que um mero produto de beleza e de perfumação, mas um código de comunicação com as emoções, com o zelo da alma, do corpo e do espírito, de expressar a essência humana do Brasileiro, que é naturalmente de bem estar, prazer e cultivo da autoestima.

Usar e abusar de ervas medicinais, flores exóticas ou tradicionais em um banho, em uma cerimônia religiosa ou em uma festa Carnavalesca era também uma forma de afastar energias negativas, de entregar-se ao poder das espécies aromáticas e suas valiosas propriedades, de criar uma conexão espiritual como faziam os egípcios na Antiguidade ao queimar incensos e resinas e aproximar-se das Divindades. Aqui não era distinto, estar perfumado e limpo, tanto físico como emotivamente e espiritualmente, era estar livre das impurezas físicas e espirituais, celebrar esse momento de intimidade consigo próprio e com a mãe natureza.

Os hábitos de banho dos nativos indígenas, principalmente as tribos Tupis, numerosa nessa época, era uma constatação de que o Brasil tinha um hábito cultural totalmente diferente com relação aos cuidados pessoais que refletiam o uso de aromas, o “estar cheiroso” com a pele sedosa, os cabelos brilhantes e os dentes alvos. Isso era um estilo de vida assim como o uso de perfumação atual. Os nativos já eram vaidosos por excelência, assim como o Brasileiro contemporâneo.

O elemento sedutor, tão inerente à perfumaria e ao senso do olfato, era contemplado nas belas índias, cujos aromas exalados inebriavam os sentidos dos portugueses, cada vez, ao banhar-se e refrescar-se nas águas límpidas. Não a toa que, dessa deliciosa combinação de etnias, nasceria uma nação que aprecia as águas refrescantes, os envolventes cheiros e a arte da sedução.

O Brasil, com suas extensas e fartas terras verdejantes, de espécies exóticas e de hipnótica formosura, de rios correntes de águas fluídas e límpidas, sempre teve uma relação muito forte com a higiene, o asseio, o purificar-se com o elemento essencial que nutre o corpo: a água. Não somente pelo calor escaldante e úmido, mas o país é abundante em rios como o da Amazônia, ao Norte e o do Rio São Francisco, mais ao Nordeste, região que seria grande consumidora de fragrâncias na atualidade.

Nessas regiões e em períodos mais primitivos, as populações já desfrutavam banhos de cheiros, portanto a água perfumada, da lavanda a água de colônia é um legado da cultura do perfume, muito valorizada pelo seu frescor, assim como a mistura de flores com ervas aromáticas, óleos naturais de andiroba, pitanga, urucum e coco, entre outros que eram elixires de beleza muito usados pelos indígenas na pele e no cabelo. Entre tantos talentos, os índios tinham um olfato aguçado, capaz de reconhecer raras plantas assim como sentir o cheiro dos inimigos. Já a influência do português na formação do povo Brasileiro e sua corrida comercial nas explorações marítimas pela Índia possibilitaram que outras matérias fragrantes como as especiarias como o cravo e a canela chegassem ao Brasil. Dessa multiplicidade de materiais aromáticos, teríamos o cheiro do Brasil, tão diverso e aberto a variedades de flores, frutos, madeiras, resinas, etc.

Se por um lado, o Brasil já nasceu perfumado, por outro lado, nem sempre o país conviveu com os agradáveis cheiros. Nos períodos do Brasil Colonial e Império, as embarcações lusas tinham condições sanitárias muito precárias, carregavam doenças que dizimavam os índios e homens que tinham uma verdadeira fobia a banhos e eram fisicamente desagradáveis com muitos pêlos, mau hálito e cabelos sujos. Timidamente, os portugueses começaram a tomar gosto pelos banhos seguindo as boas práticas de uso de plantas e flores, mas de forma muito limitada e rara, pois reproduziam os hábitos de sujeira da Europa que alimentavam fantasmas reais e imaginários como as moléstias pestilentas, a aversão à pele lavada exposta às enfermidades e toda a má sorte de vírus e bactérias.

Mesmo após o início da povoação do Brasil no século XVI, o mau cheiro nas cidades era constante em um cenário socioeconômico de más condições de saneamento e uma política de escravatura, que trazia navios negreiros como cova de escravos mal tratados em questões de higiene. A população pobre vivia em casas que tinham uma infraestrutura pouco arejada e sem banheiros e convivia com animais que depositavam urina e fezes nas residências.

 



Com a vinda da família real para o Brasil, em 1808 e sua instalação no Rio de Janeiro, fica evidente que os hábitos da monarquia portuguesa repetiam os velhos hábitos como aversão a banhos, rara troca de roupa e uma cidade que avançava na urbanização nos quais os dejetos humanos eram jogados na rua sem nenhuma consciência sobre a importância do saneamento básico e da higiene pessoal para viver perfumadamente em sociedade. Nessa época, há a constatação que, embora o Brasil Imperial fosse adepto da imundície, as classes sociais mais abastadas eram a grande usuária de perfumes franceses importados, e seria muito mais nas primeiras décadas do século XX.

Enfim, quando havia alguma perfumação corporal, ela se limitava a ocultar a sujeira, pois era uma forma de disfarçar o fétido cheiro da pele, coberta por pesadas vestimentas e volumosas cabelereiras. Somente famílias muito abastadas e mais limpas, normalmente com a chegada dos holandeses, tinham um discreto hábito de asseio pessoal.

Perfumaria no século XX

Para um Brasil mais cheiroso, rumo à evolução da Perfumaria no século XX

Com o avanço do século XIX e XX, um novo Brasil nasce para os aromas. O inevitável choque olfativo e higiênico de antes, pouco a pouco começava a ser um mal estar do passado. Pode-se dizer que não há como desvincular que o crescimento da perfumaria está muito relacionado ao crescimento da indústria de higiene pessoal e às influências europeias e americanas com seus perfumes importados e seus hábitos fragrantes. Os primeiros produtos locais e perfumados eram para cuidados pessoais e, além disso, nesses períodos de urbanização, medidas de saneamento básico foram tomadas para conter a proliferação de doenças como a febre amarela e o tifo. Era natural que houvesse um movimento de melhores cuidados com o corpo como banhos mais constantes e a criação de casas de banhos no RJ, por exemplo, que já relacionavam a prática ao asseio e ao prazer de estar limpo e cheiroso. Após o período do império no qual, raras mulheres, mais elitizadas, usavam perfumes importados, em sua maioria francesa, os produtos locais começavam a ser desenvolvidos através de empreendedores europeus que se alojavam no Rio de Janeiro e São Paulo e estavam atentos ao mercado. Com a abolição da Escravatura, houve uma diversificação da mão de obra com a imigração europeia e o crescimento das populações burguesas e proletárias. As importações sofreram baixas em virtude de políticas aduaneiras e a industrialização local foi incentivada, criando um espaço potencialmente produtivo para investir no setor.

 


Em sua maioria, os primeiros produtos perfumados na produção local eram águas de colônia, talcos, loções e sabonetes, de renomadas e tradicionais marcas como Granado e Gessy Lever (atual Unilever), Phebo e Myrta. A aplicação de fragrâncias a produtos, normalmente, seguia a boa prática europeia e seus famosos sabonetes Franceses e Ingleses, como o Pear’s Soap e águas de colônias Italianas, país que tinha um clima tão caloroso e revigorante como o do Brasil. Com a urbanização dos centros e a influência Americana no consumo global, ainda que o Brasil sofresse as consequências do atraso econômico ocasionado pela colonização Portuguesa e tivesse uma população carente, era possível observar que o século XX já dava sinais de uma prosperidade com relação à higiene e aos bons hábitos de perfumaria, pelo menos entre as elites. O sabonete era um produto desejado e essencial, fabricado para ser tão bom quanto o estrangeiro e cultuado na propaganda da época, com rostos sorridentes que pareciam exalar uma agradável fragrância. O interessante nessa evolução é que produtos como sabonete e desodorante, assim como loções, pó de arroz e brilhantina para os cabelos eram produtos perfumados que chegavam a substituir o próprio frasco de perfume. Usar um bom produto de higiene pessoal era uma maneira de aumentar a autoconfiança e o bem-estar, de estar socialmente impecável e, portanto, ser bem aceito no convívio cotidiano e, potencialmente, conquistar uma melhor aceitação e ascensão sociais.
 


Nessa jornada de fomento da perfumaria no Brasil, a fabricação era artesanal e inspirada pelas Boticas e farmácias que já eram uma prática na Itália, um dos países com mais imigrantes no Brasil. As colônias eram refrescantes, como a Lavanda Phebo criada pela farmácia Granado, a Água de Hungria, criada pela Perfumaria Kanitz, de origem Húngara e a Água de Colônia Parisiana, da Perfumaria Myrta, a Água de Cheiro da Gessy, a maioria tendo surgido nas décadas de 30 e 40. Nos anos 30, havia um boom de produtos multifuncionais que existem até hoje que limpam e perfumam, como o Leite de Colônia e o Leite de Rosas. A produção de sabonetes seguia o mesmo modelo artesanal, da prensa a embalagem e eram muito valorizados e famosos na sociedade da época, como o sabonete Gessy, criado pela José Milani & Cia, que em 1960 se uniria a Lever, empresa inglesa que já produzia o icônico sabonete Lux, formando o império Gessy Lever. A Gessy também exportava o sabonete inglês Sunlight, a Granado fabricava o seu tradicional sabonete glicerinado, um clássico até hoje, e a Myrta lançou o popular Eucalol, feito à base de eucalipto e amplamente divulgado na publicidade da época.
 


Na produção de sabonetes, um nicho de concorrência bastante acirrada, também atuavam a Colgate, com a linha Cashmere Bouquet, criada em 1946, assim como concorrentes internacionais como o sabonete Lifebuoy na década de 40. Nas primeiras décadas do século XX, uma minoria endinheirada da sociedade se renderia à inovação europeia de novos lançamentos de perfumes, de renomadas marcas que uniam a perfumaria e a moda, como Chanel, Guerlain e Coty, respectivamente, com clássicos como nº 5, Shalimar e Joy, fragrâncias que criavam uma nova identidade para a mulher emancipada: elegante, independente, de personalidade, bela e perfumada. Ainda nos anos 30 e 40, com a Era do Rádio e a época de Ouro do Cinema inspirariam as mulheres a cuidar da autoestima, serem mais bonitas e sedutoras como as Divas da Sétima Arte com perfumes menos clássicos florais e mais orientais e chypres, assim surgiriam perfumes importados mais sedutores, impregnados de uma personificação dual para mulheres fatais como Tabu (Dana), Femme (Rochas) e Bandit (Robert Piguet), assim como empresas de beleza como Lâncome, Helena Rubinstein e Elizabeth Arden se instalariam no Brasil, alinhando conceitos internacionais de beleza feminina.
 


Na década de 40, estar limpo e perfumado começava a ser um imperativo para homens e mulheres que desejavam se enquadrarem nos moldes de cuidados pessoais, beleza e aceitação social, influenciados pelos Estados Unidos e seu American Way of Life que defendiam um estilo de vida bem sucedido. Era comum ver propagandas como o do leite de Rosas com a imagem de Carmen Miranda associada e outras mulheres sorridentes, como reclames de Americanas vaidosas, com um sabonete nas mãos, assim como homens em propagandas como o da Acqua Velva, um pós-barba perfumado da Williams.

Já se veiculavam nesses tempos emergentes de um melhor cheiro, a constatação de que tomar banho e perfumar-se era sinônimo de asseio, ainda que a produção das pioneiras águas de colônias fosse artesanal e a perfumaria ainda tinha um espaço muito amplo de crescimento no Brasil, existiam colônias populares como Regina e Mirage. Nesse cenário, é interessante perceber que produtos de higiene pessoal perfumados, principalmente os sabonetes e dos cremes desodorantes, por exemplo, tinham uma dupla função: além de, respectivamente, limpar a pele e desodorizar, eles acabavam cumprindo a função de fragrâncias. O sabonete inglês, lançado no Brasil em 1946 era considerando um sabonete – desodorante, o “sabonete da saúde” e teve aceitação do consumidor e um maior apelo popular através da publicidade. Posteriormente, linhas mais completas e encantadoras como a da Cashmere Bouquet, com pó de arroz, talco e água de Colônia se tornariam um objeto de desejo da população feminina que, nas décadas vindouras, conquistariam mais ainda o mercado de trabalho e a necessidade de firmar sua beleza, sedução e autoestima, se tornando um importante formador de opinião na perfumaria e cosmética Brasileira.

 



 

Vale ressaltar que, mesmo com a segunda guerra mundial e o clima de tensão mundial, havia um esforço de se manter a beleza e a autoestima, principalmente pelas mulheres. Nessa época, a linha Cashmere Bouquet fez um grande sucesso, assim como a Seiva de Alfazema, lançada em 1943, uma lavanda clássica e que influenciaria o gosto pelas refrescantes fragrâncias aromáticas alavandadas que funcionam bem no clima do país, com outras mais como a Menphis e a Herbíssimo Alfazema. Os perfumes importados ainda seriam para poucos, mas já provocariam o desejo pelo consumo de prestígio.

Nesse cenário de maior emancipação da mulher no pós-segunda guerra mundial, assim como as consolidações de leis de trabalho no Brasil e a maior abertura da industrialização no Brasil na década de 50, colocou a mulher como um consumidor muito mais relevante. Nos anos 50 surgiriam perfumes clássicos como as fragrâncias Atkinsons, Phebo e Tabu, alcançado grande projeção no cenário de consumo em perfumaria. Empresas como a Johnson & Johnson, Colgate, L’oréal, Coty, Avon e Christian Gray se instalariam entre os anos 30 e 60, contribuindo para o avanço da perfumaria e da aplicação de fragrâncias em produtos de cosmética e perfumaria e surgiriam as casas de fragrâncias como a Givaudan, IFF e Firmenich.

Dentre as citadas, a Avon, que chegou ao Brasil em 1959 e instalaria sua fábrica em 1970, dando um rumo revolucionário à indústria de cosméticos e perfumes no país ao lançar seu sistema de vendas diretas, colocando a mulher ativamente no mercado de trabalho e inspirando o empreendedorismo e a independência no setor, além de lançar, nos primeiros anos sucessos como Toque de Amor e Topaze. No mais, as famílias Brasileiras começavam a crescer a partir dos anos 70, após a ditatura e com os ideais hedonistas da liberdade e do amor. Com elas, o mercado começava a absorver o cheirinho de bebê em produtos de multinacionais como a Johnson e Johnson, a Kimberly-Clark, Procter & Gamble, clássicos mais regionais fariam sucesso como o Wild Musk da Coty e o Lancaster Argentino da Niasi, ambos de 1973, e fragrâncias femininas icônicas como Chanel nº 19 e Yves Saint Laurent Opium enfatizariam o poder da feminilidade, da elegância, do mistério e da sensualidade de toda mulher e gigantes da indústria como Natura e Boticário iniciavam suas operações com o espírito visionário de seus fundadores.

 

Perfumaria Moderna

O crescimento da Perfumaria Moderna: Dos empreendedores das grandes marcas até os dias atuais

A perfumaria fina começou a tomar forma e características mais empreendedoras e próprias a partir dos anos 60, no reduto paulista e elitizado, com o lançamento de fragrâncias icônicas como a Rastro (1965) e a Giovanna Baby (1974) e com o estabelecimento da Natura na Oscar Freire, que viriam de empresários relacionados, respectivamente, ao mundo da decoração, da moda e da farmacêutica. A produção permanecia artesanal, mas o boom seria mais massivo nos anos posteriores. As fragrâncias foram um sucesso de público e, de forma consistente, eles ainda perduram no imaginário coletivo sobre participantes da História das fragrâncias Brasileiras. A partir de empreendedores como Aparício Basílio da Silva da Rastro, é perceptível que, pela primeira vez, a perfumaria Brasileira tinha uma voz que a relacionaria a um contexto mais fashion e de prestígio, principalmente considerando que a moda e a indústria do luxo, em geral, está intimamente relacionada à evolução da perfumaria global.

 



 

Pode-se dizer que a perfumaria local com qualidade e inovação feita por Brasileiros só foi possível a partir do empreendedorismo de fundadores visionários como Antônio Luiz da Cunha Seabra (Natura, 1969), Elizabeth Pimenta (Água de Cheiro, 1976), Miguel Krigsner ( O Boticário, 1977), Marlene e Leopoldo Mesquita (L’acqua di Fiori, 1980), dentre outros que fizeram a diferença na Perfumaria Brasileira e se tornaram empresas sólidas e na ativa até a contemporaneidade. Eles não só movimentaram a produção de fragrâncias com a cara do Brasil, mas fomentaram a indústria local mesmo com as dificuldades pós-ditadura e as dificuldades econômicas dos anos 80, marcado por inflações, recessões e falências. Em um país no qual poucos tinham acesso a produtos importados e com uma moeda desvalorizada no advento dos anos 80, essas marcas icônicas atravessaram esses anos de mudanças desafiadoras e inconstantes na Economia, com energia e sustentabilidade, inclusive criando novos conceitos de perfumaria e relação das fragrâncias com os consumidores, como por exemplo, a Natura, que criou um conceito de bem estar com biodiversidade e sustentabilidade, intimamente conectada com o ser humano, a natureza e seus princípios ativos. O Boticário agregou uma imagem de perfumaria internacional, investindo em matérias primas inovadoras e design que a colocou em um patamar global sem se distanciar da essência e da identidade de fazer perfumes locais, com o frescor do povo Brasileiro, exemplo disso é o seu primeiro clássico, Acqua Fresca, lançado em 1979.

Empresas como Água de Cheiro, L’acqua di Fiori e O Boticário também trouxeram uma evolução na distribuição e vendas de perfumes no país, adotando sistemas de franquias que democratizariam mais o acesso à perfumaria que ainda estava restrita ou ao varejo de empresas como Mesbla, Mappin e Sears, ou às vendas diretas. Nesse cenário, se destacariam o sedutor Absinto, da Água de Cheiro, uma febre entre jovens emancipados e adultos da época e o Musk Almíscar da Cabeça Feita, considerada uma marca alternativa e cool. Entre os importados, chegariam ao país os densos perfumes internacionais dos anos 80, chipres e orientais sedutores como Coco Chanel, Dior Poison, CK Obsession e Guerlain Samsara.

 

image acqua fresca

Os anos 90 marcariam a recuperação da Economia do Brasil e facilitaria o crescimento da indústria, com a valorização do real, a abertura às importações e o desejo por grandes clássicos internacionais que teriam grande aceitação como CK One ou Thierry Mugler Angel. Havia uma liberdade olfativa no país, que se abria para as novidades da perfumaria internacional, de aquáticos a orientais e gourmands, e da nacional que se tornara mais acessível à classe média. Com maior prosperidade e incentivos econômicos, assim como para competir com a globalização da perfumaria, as empresas locais lançariam fragrâncias icônicas como Natura Shiraz, Biografia, Kriska e Kaiak; Boticário Thaty, Floratta e Quasar, L’acqua di Fiori Inizzio e Ozone, entre outras que agradariam muitos seguidores e fariam a memória perfumada de suas empresas.

Nos anos 2000, Natura se destacaria com a criação da Linha Ekos, uma marca com exemplar conceito de gestão autosustentável na perfumaria e novas empresas locais surgiriam no decorrer dos anos como a Contém 1 g (1994), a Jequiti, do Grupo Silvio Santos (2006) e Eudora, do Grupo Boticário (2011), oxigenando a perfumaria com novas marcas e produtos e acirrando a concorrência nas vendas diretas, ávidos por altos níveis de excelência na qualidade e na inovação. De acordo com a Abihpec (Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos), em 2009 o Brasil já tinha alcançado um market share de 13,6% nesse mercado, avançado um crescimento de cerca de 12% em relação a 2008. Atualmente, o Brasil é líder global em perfumaria, consideravelmente parte significativa desse crescimento se dá em várias vertentes como a participação da mulher como mão de obra na indústria, principalmente nas vendas diretas, fazendo parte como consultoras das principais marcas de venda porta a porta do país, o segmento de perfumaria e cosmética se destoa como atrativo para homens e mulheres, preocupados com a vaidade, a juventude, o bem estar, assim como cabe salientar que públicos alvos como jovens e homens se tornaram um mercado promissor para a perfumaria Brasileira com lançamentos mais específicos para esse público com conceitos modernos relacionados à música, à internet, aos esportes, à elegância e ao sucesso e à sedução.

 



 

No geral, empresas como Natura e Boticário se estabeleceram em operações internacionais. Canais de distribuição de venda direta e franquia se consolidaram, com maior cobertura geográfica, força de vendas e geração de empregos. Investimentos na indústria têm sido realizados em pesquisa, inovação e marketing para produzir e vender melhores fragrâncias, alinhadas às tendências e aos hábitos do consumidor Brasileiro. Na indústria, há esforços para a melhoria da qualidade dos perfumes, para um patamar mais prestigie, e também, masstige, que traga o prestígio e a popularização em vendas. Com o crescimento da perfumaria, espera-se uma indústria mais multidisciplinar e especializada que conheça muito do produto, da marca, da concorrência e do comportamento do consumidor para criar fragrâncias vencedoras. Por outro lado, há desafios e expectativas como uma menor carga tributária nas importações e no fornecimento de matérias primas.

Enfim, é possível perceber que, apesar de todas as particularidades e dificuldades do mercado interno, o Brasil é, por excelência, um país perfumado na liderança global. Ele é potencialmente diferencial para receber uma miscelânea de tipos de perfumes que vão desde fragrâncias frescas, cítricas e fougère, a fragrâncias florais, frutais gourmand, amadeiradas e orientais. Isso se dá porque o Brasileiro é bem aberto à diversidade aromática. Ele herdou durante esses anos de História um gosto bastante diversificado de usar fragrâncias frescas, mas igualmente envolventes e sedutoras que elevem sua autoestima e atração sobre o outro, assim, o país se eleva a uma categoria de países únicos que têm o contínuo potencial de crescer economicamente no setor, abraçar variadas nuances olfativas e continuar fazendo a História da Perfumaria, com os cheiros do Brasil e do mundo.

 

Bibliografia e Leituras recomendadas:
- ASHCAR, Renata. Brasilessência: a cultura do perfume. São Paulo: Nova Cultural, 2001.
- BARILLÉ, Elisabeth. LAROZE, Catherine.The book of Perfume. Paris: Flammarion, 1995.
- BUENO, Eduardo. Passado a limpo: História da higiene pessoal no Brasil. São Paulo: Gabarito, 2007.
- CLASSEN, Constance. HOWES, David, SYNNOTT, Anthony. Aroma: The Cultural History of Smell. London: Routledge, 1994.
- DROBNICK, Jim. The Smell Culture Reader. Oxford: Berg, 2006.